segunda-feira, 27 de março de 2023

Fire Emblem Engage - um regresso às origens

Fire Emblem é uma das séries mais notórias do vasto leque de propriedades exclusivas da Nintendo, com um longo historial que começou há mais de três décadas com o lançamento do primeiro título no Japão para a Famicom em 1990. Apesar desta longevidade, chegou oficialmente ao Ocidente apenas em 2003 (com um título no Gameboy Advance) onde começou desde logo a angariar fãs e trilhar um caminho de popularidade que eventualmente culminou com Fire Emblem: Three Houses – a primeira entrada da série na Nintendo Switch – e aquela que, à data, é o seu maior sucesso de vendas. E é no contexto desse sucesso que surge um sucessor: Fire Emblem Engage.

Para os não iniciados, Fire Emblem é uma série de RPGs de estratégia por turnos onde o jogador controla um exército de unidades por uma sequência de batalhas num universo de fantasia medieval. Cada jogo conta uma história única e característico das batalhas que os preenchem é o facto do movimento de cada unidade ser circunscrito a uma grelha, de cada unidade ter uma classe específica que determina as suas capacidades (armas, ataques especiais, quantidade de movimento por turno, etc...), e que o sistema de batalha funciona num formato “papel/pedra/tesoura” onde uma arma tem vantagem sobre outra mas é fraca face a uma terceira. No seu exemplo mais simples, o Triângulo de Armas, lanças têm vantagem face a espadas, espadas têm vantagem face a machados, e machados têm vantagem face a lanças.

Paralelamente, um dos elementos mais notáveis de Fire Emblem é que cada unidade é uma personagem com um nome, uma personalidade, e um historial único. E, no seu modo mais clássico, se uma unidade cair em batalha ela desaparece permanentemente, removida do jogo até à sua conclusão. Mas em títulos mais recentes, esta “penalidade” pode ser desativada pelo jogador e nisso Engage não é uma exceção.


Em Fire Emblem Engage acompanhamos Alear, um príncipe (ou princesa, dependendo da preferência do jogador ao início) de uma linhagem divina que acorda de um sono milenar para enfrentar (e derrotar, espera-se) um ser malévolo que – finalmente livre da sua prisão – regressa ao continente de Elyos para o envolver nas sombras negras de guerra e conquista. Para o ajudar nesta missão Alear rodeia-se de um elenco diverso de personagens oriundas das diversas nações que preenchem Elyos, e procura recuperar poderosos anéis – Emblem Rings – que trazem consigo a capacidade de invocar (o titular engage) poderosos espíritos para ajudar em batalha, bem como aumentar as capacidade intrínsecas das personagens que os equipam.


E é aqui que Engage começa a revelar a sua verdadeira face.



Fire Emblem é uma série focada em estratégia militar, mas em segundo plano estiveram sempre as relações interpessoais que o elenco desenvolve entre si, e com o protagonista em particular, à medida que a história se desenrola à sua volta. Estas relações geram afinidades que têm impactos positivos no campo de batalha, e é por isso que perder um companheiro permanentemente pode ter um impacto considerável no percurso de cada um. Em Three Houses em particular, este aspecto foi reforçado ao mesmo tempo que alguns dos elementos bélicos mais clássicos da série foram alterados (ou mesmo removidos, como foi o caso do Triângulo de Armas básico). E isto é importante de referir porque Engage é um retorno vincado às origens de Fire Emblem, e especificamente ao estilo de títulos passados de Gameboy Advance e Nintendo DS. Estes elementos interpessoais continuam presentes, mas não são tão prevalentes como em Three Houses. Reduzem-se a vinhetas mais curtas entre capítulos de batalha.

Engage não é só um simples regresso ao passado, mas também uma celebração aberta de todo o seu historial. Os espíritos recuperados em cada Emblem Ring são todos heróis e personagens icónicas de outros títulos da série, puxando pela nostalgia através de sucessivas cameos de uma forma muito pouco súbtil que como sistema funciona bem, mas é de tal forma gratuito que pode não agradar a todos.

Neste aspecto, as escolhas de Engage são um risco porque o sucesso do seu predecessor aconteceu não só por causa desse historial mas também muito pelas formas como se distanciou dele e experimentou coisas novas. Alguns dos fãs que a série ganhou com Three Houses podem achar este renovado foco na campanha militar, e o facto de que o elenco tende mais para o lado de serem simples peças num tabuleiro do que personagens completas, desapontantes. Isto é particularmente relevante quando consideramos que, na minha opinião, a história de Engage não é o seu ponto forte. É adequada, mas não é memorável.


Tecnicamente, Engage é uma evolução em toda a linha face ao seu predecessor na Switch. Os ambientes visitados são variados e ricos em detalhes, e a paleta de cores que os acompanham é diversa e vibrante. O design das personagens, apesar de não ser o meu favorito (a tonalidade de pasta-de-dentes bicolor do cabelo do protagonista, por exemplo, é uma escolha bizarra), é de elevada qualidade. Todas as personagens expressam detalhe e personalidade no seu desenho e isso é algo que brilha nas secções de diálogo do jogo. Muitas secções essas, aproveito para acrescentar, que surgem com voz onde está disponível a versão original Japonesa (que é sempre bem-vinda).

Mas é em combate que Engage é fantástico, e realmente brilha. Fluído em toda a linha, a clássica transição da visão isométrica sobre o “tabuleiro” para o embate direto entre unidades nunca teve tão bom aspecto como aqui, e as animações de cada troca de ataques entre unidades acompanham essa qualidade e dinamismo. Os melhores momentos de Fire Emblem Engage são, indiscutivelmente, passados no campo de batalha e a vontade de jogar “só mais um turno” está aqui viva e de boa saúde.

Como um pacote completo, diria que Engage só pode ser realmente interpretado tendo em conta aquilo que cada jogador traz consigo face a ele. Para os fãs de estratégia, e os veteranos de Fire Emblem em particular, Engage é um definitivo marco de qualidade em termos de jogabilidade. Para os novatos, é um bom ponto de partida, embora pleno de referências nas entrelinhas que poderão não lhes fazer muito sentido sem visitas a títulos passados. E para os fãs da componente social de Three Houses, é possivelmente uma regressão da qual não vão gostar particularmente.

Pessoalmente, acho Fire Emblem Engage uma sólida entrada nesta série e que se enquadra perfeitamente na Switch, especialmente em modo portátil. Mas isso é capaz de ser já o meu saudosismo tendencioso a falar, alimentado por boas memórias de tardes passadas com um Gameboy nas mãos a ponderar o meu próximo turno.

Por: Sérgio Bernardino

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